
Nos últimos dias, a internet brasileira entrou em ebulição com a derrota de Ainda Estou Aqui no Oscar. O prêmio de Melhor Filme e de Melhor Atriz foi para Anora, de Sean Baker, e, como sempre acontece em premiações desse porte, a indignação tomou conta das redes sociais.
Mas será que essa revolta faz sentido? Ou será apenas mais um reflexo da necessidade de validação externa, resultado de uma cultura que ainda luta para reconhecer e valorizar sua própria produção cinematográfica?
Não é sobre o "Melhor"
A verdade, muitas vezes ignorada, é que o Oscar nunca foi sobre premiar o melhor. Pois além desse tal "Melhor" ser subjetivo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem um histórico claro: o Oscar é um prêmio corporativo, dado a quem Hollywood deseja reconhecer no momento.
Ou seja, a estatueta vai para aquele que, por diversas razões — sejam elas políticas, comerciais ou estratégicas —, se destacou no circuito da indústria cinematográfica.
Desde sua criação, a premiação da academia sempre teve um viés voltado para Hollywood. Filmes estrangeiros, salvo raríssimas exceções, têm dificuldades em competir em pé de igualdade com produções norte-americanas.
Afinal, trata-se de uma premiação feita por e para Hollywood. O objetivo nunca foi premiar 'o melhor', mas sim celebrar aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a narrativa que a indústria quer contar naquele ano.
Brasil e a Busca por Validação Externa no Oscar
A reação negativa de muitos brasileiros à vitória de Anora expõe um fenômeno recorrente: a busca por validação externa. O cinema brasileiro tem uma longa tradição de produções brilhantes, mas a atenção do público em geral só parece surgir quando há alguma menção ao Oscar ou a outras premiações internacionais. Isso revela um problema muito maior: a falta de reconhecimento e valorização interna do próprio cinema nacional.
Por que precisamos que Hollywood diga que somos bons para acreditarmos nisso? Por que tantas pessoas só enxergam um filme brasileiro como relevante quando ele é indicado a prêmios estrangeiros?

Rio, Zona Norte (1957)
Essa dependência não é exclusiva do cinema. Está presente na música, na literatura e em diversas outras expressões culturais. Existe no Brasil uma crença profundamente enraizada de que, para algo ser realmente bom, precisa primeiro ser reconhecido por um olhar estrangeiro.
Enquanto isso, produções nacionais de alto nível passam despercebidas, sem apoio do próprio público e com pouca demanda dentro do mercado interno.
Isso não acontece na mesma intensidade em outros países com forte produção cultural. Franceses, sul-coreanos e argentinos, por exemplo, possuem um orgulho enraizado por suas artes e as consomem ativamente, independentemente de reconhecimento internacional.
O cinema francês tem um público fiel dentro da França. Na Coreia do Sul, existe um grande incentivo ao consumo de filmes, séries e músicas locais. Já na Argentina, escritores e cineastas são amplamente prestigiados dentro de seu próprio território. Isso não é apenas uma coincidência, mas o reflexo de uma cultura que se orgulha de si mesma e que tem estratégias concretas para fomentar esse consumo.
O Ciclo Vicioso da Desvalorização da Cultura
No Brasil, por outro lado, há um enorme desprezo pela própria produção cultural, muitas vezes alimentado pela falta de informação e pelo sucateamento das políticas de incentivo.
O ensino de cultura e história brasileira nas escolas é raso e, muitas vezes, negligenciado. Enquanto outros países investem em campanhas massivas para educar sua população sobre sua própria arte e patrimônio, o Brasil falha em criar essa conexão entre seu povo e sua cultura.

Isso resulta em uma demanda reprimida: sem conhecimento sobre a própria produção artística, o público não desenvolve interesse e, consequentemente, a indústria cultural nacional luta para sobreviver.
A falta de campanhas para o aprendizado e valorização da cultura brasileira faz com que a demanda por arte nacional seja baixa. Isso cria um ciclo vicioso: sem público, os investimentos na produção diminuem, e sem uma produção constante e fortalecida, o público perde ainda mais o interesse.
Para quebrar essa dinâmica, é essencial que haja políticas de incentivo, programas educacionais voltados à cultura e maior acesso às produções nacionais.
O Cinema Brasileiro e a Falta de Interesse do Público
O que se vê hoje é um mercado de cinema brasileiro dominado por comédias pastelão, muitas vezes alvo de críticas que rotulam o país como incapaz de produzir filmes sérios. No entanto, essa é a consequência direta da falta de interesse do próprio público. Quando produções nacionais mais densas são lançadas, o grande público simplesmente ignora. A mesma galera que reclama que “O Brasil precisa de mais filmes sérios” não se dá ao trabalho de assistir quando um é lançado.
Só se interessam caso seja indicado a grandes premiações. Isso não acontece em países que fortalecem a própria indústria cinematográfica internamente.
A real valorização da cultura brasileira não virá de prêmios internacionais. Virá quando o próprio brasileiro reconhecer a riqueza de sua arte e criar uma demanda genuína por ela dentro do país. O primeiro passo para isso é o conhecimento. Afinal, ninguém valoriza aquilo que não conhece.
O Oscar segue sua lógica
Além disso, Ainda Estou Aqui não foi o único filme derrotado. Produções de peso, aclamadas pela crítica, também saíram de mãos vazias. O próprio histórico da academia prova que, ano após ano, filmes brilhantes são ignorados ou derrotados por escolhas questionáveis.
Se Hollywood premiasse apenas o melhor, grandes injustiças da história do cinema não teriam acontecido. Obras-primas como Cidadão Kane, Taxi Driver, Pulp Fiction e A Rede Social não perderam para filmes ruins, mas esses filmes se tornaram notas de rodapé em comparação a grandeza desses citados.

Eles seguem uma lógica própria, baseada em campanhas publicitárias agressivas, favoritismo dentro da indústria e interesses comerciais. Muitas vezes, a premiação reflete não só a qualidade artística de um filme, mas o contexto político e econômico de Hollywood naquele momento.
Estúdios gastam milhões para promover seus candidatos, organizando jantares, eventos e sessões exclusivas para os votantes da Academia. No fim das contas, vencê-lo não é apenas sobre merecimento, mas também sobre marketing.
'Anora' foi um filme aclamado por crítica e público
Outra questão que passou despercebida na revolta brasileira é o próprio impacto que Anora teve dentro da indústria. O filme de Sean Baker foi bem recebido pela crítica internacional e conquistou um espaço significativo nos festivais e premiações que antecedem a grande premiação. A vitória de Anora não foi um acaso, mas sim resultado de um forte lobby e de uma campanha eficaz.

A performance de Mikey Madison, que levou o prêmio de Melhor Atriz, também não pode ser ignorada. O trabalho dela foi amplamente elogiado, e a decisão da Academia seguiu uma lógica coerente dentro do universo hollywoodiano. Não foi uma questão de tirar um prêmio do Brasil, mas sim de premiar quem, dentro dos critérios estabelecidos pela indústria, fez mais sentido naquele ano.
Conclusão
O problema não está em perder o Oscar. O problema está em enxergar a premiação como o único selo de qualidade para o cinema brasileiro. Enquanto continuarmos obcecados por prêmios internacionais, ignoramos a necessidade de criar uma cultura cinematográfica forte dentro do próprio país. E isso tem consequências diretas: menos investimento, menos público e menos oportunidades para nossos cineastas.
A verdadeira valorização do cinema nacional não virá de uma estatueta dourada, mas sim do fortalecimento da nossa própria indústria e do reconhecimento interno da nossa arte.

Se há algo que podemos aprender com essa derrota, é que o Brasil precisa fortalecer suas próprias premiações e incentivar o consumo de suas produções. Ao invés de reclamar da derrota no Oscar, deveríamos lutar para que nossos filmes sejam mais assistidos aqui dentro, garantir que tenham distribuição adequada e fomentar um público que valorize o cinema nacional.
Afinal, a verdadeira vitória do cinema brasileiro não será conquistada em uma cerimônia em Los Angeles, mas sim na construção de uma cultura que enxerga valor na própria arte, independentemente do olhar estrangeiro.

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