
O medo constitui uma das emoções mais antigas e universais da experiência humana, enraizado na estrutura biológica e na história evolutiva do cérebro. Paradoxalmente, isso que deveria provocar rejeição exerce fascínio, e assim, seduz aquilo que deveria ativar seu instinto de fuga.
Mas isso se vem de uma dicotomia da interação entre os mecanismos de defesa, onde o sistema de prazer e a necessidade cognitiva de enfrentar o desconhecido em contextos seguros se tornam algo primordial na experiência de vida de várias pessoas.
Do ponto de vista psicológico
Podemos pensar como um “medo controlado”, que opera sobre os mesmos circuitos do medo real, mas dentro de um enquadramento cognitivo que reinterpreta o estímulo como seguro, através de processos neuropsicológicos. A amígdala inicia a resposta de alarme, acionando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que libera adrenalina, noradrenalina e cortisol, fazendo o corpo entrar no estado em que conhecemos como “Luta ou Fuga”. Essa mobilização fisiológica constitui o núcleo do mecanismo de sobrevivência evolutivo que antecede a cognição racional.
O ponto crítico que muda a situação, está no papel do córtex pré-frontal e do hipocampo. Eles funcionam como filtros de realidade, avaliando se o perigo é legítimo ou algo mais “simbólico”. Em situações ao assistir a um filme de terror, essas áreas reconhecem a ausência de ameaça concreta e atenuam a resposta da amígdala, alternado entre instinto e controle fortalece os circuitos de integração emocional, consolidando aprendizado sobre como modular estados afetivos intensos.

Esse tipo de exposição simulada tem função adaptativa, onde o indivíduo aprende a distinguir ameaça real de ameaça percebida e a manter controle sob condições de excitação extrema. Estudos bem interessantes feitos durante a pandemia do Covid-19, como o de Malmdorf-Andersen (2020), indicaram que pessoas habituadas a consumir narrativas de terror demonstraram maior estabilidade emocional diante da realidade. O cérebro, treinado para administrar o medo em contextos simbólicos, mostrou maior eficiência na regulação diante de incertezas concretas.
Sob essa ótica, o “medo seguro” é um laboratório cognitivo que permite experimentar os limites da própria vulnerabilidade sem exposição ao dano real. A repetição desse processo cria um repertório emocional útil para situações futuras, tratando-se de um treino neurocomportamental. O prazer relatado em experiências de medo controlado surge do alívio pós-ameaça reprocessado como sensação de domínio.
Em termos funcionais, o medo controlado é uma forma de plasticidade emocional.
Um lado mais artístico
Segundo o professor Robert Winston em seu livro Instinto Humano, o medo vem de um longo processo evolutivo que nos permitiu a sobrevivência, mas ao mesmo tempo, nos alavancou a novos rumos para o nosso desenvolvimento.
Desde as primeiras sociedades, histórias assustadoras foram usadas como instrumentos pedagógicos para ensinar sobre perigos naturais e morais, assim como os livros e pinturas foram se desenvolvendo ao longo das décadas.
O horror contemporâneo apenas sofisticou esse princípio ancestral através dos filmes, desde os filmes mudos como L’inferno (1911), considerado o primeiro filme de terror, a arte do cinema vem pavimentando escolhas mais abstratas e formais a tudo isso. E assim, oferece um espaço controlado para o enfrentamento de maneira simbólica das ameaças que cercam a vida em sua atualidade.

Durante os anos 1950, os filmes de terror mais populares eram os de ficção científica, que refletiam os temores sociais do desconhecido, e do enfrentamento das novas fronteiras com o avanço da tecnologia, assim como a guerra fria. Nos anos 1970, marcado por obras como O Exorcista (1973), explorava o medo da perda da identidade, da invasão e da dissolução dos valores tradicionais. Já o terror contemporâneo volta-se para questões sociais e raciais, expondo o medo como um sintoma das estruturas de poder e exclusão.
Então cada época traduz seus medos em imagens distintas, o que torna o gênero um campo de observação privilegiado da psique social. É muito fácil criar estudos e teorias sociais a partir do que era produzido nesse gênero em sua época. E hoje em dia, com a evolução dos jogos e situações de múltiplas escolhas como em Until Dawn (2015) ou The Walking Dead (2011), as coisas vão ganhando muito mais camadas de complexidade.
O que Stephen King pensa sobre?
Nada mais justo do que pegamos a observação do mestre do terror atual. E Stephen King reafirma tudo isso. Ele acredita que temos um impulso curioso de nos assustar, desde que saibamos, lá no fundo, que estamos seguros. Em uma entrevista dada ao The David Letterman Show, em 1980, ele diz que quando o livro termina, e o terror também se vai, o que fica em sua mente é “Eu pensei que as coisas estavam ruins para mim, mas ao menos não estou nessa posição”.
Essa observação sintetiza bem o motivo pelo qual o horror continua atraente, porque além de despertar adrenalina, ele reposiciona a sua perspectiva e reorganiza seu medo real.
Conclusão
Dessa forma, pode se ver que a relação que temos com o terror, seja na literatura, filmes, vídeos no YouTube, de modo geral reflete o nosso anseio em explorar o desconhecido sem realmente se expor ao perigo. Uma técnica de natureza evolutiva.
É o instinto misturado à descarga de adrenalina e alívio que sentimos ao enfrentar o medo de maneira segura, do mesmo jeito em que se dá nos pesadelos que temos.


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