Nosferatu: Qual versão é a melhor?

FIlmes Nosferatu

Nosferatu é um dos maiores ícones do cinema de terror, uma representação sombria e angustiante do mito do vampiro. Inspirado no Drácula de Bram Stoker, sua primeira aparição foi em 1922, no clássico do expressionismo alemão dirigido por F.W. Murnau. Desde então, o personagem foi revisitado por diferentes cineastas, cada um adicionando sua própria visão ao terror que Nosferatu evoca.

Ao longo das décadas, as adaptações dessa figura macabra refletiram não apenas as mudanças no cinema, mas também a evolução das percepções culturais sobre o medo, a morte e a monstruosidade.

Com diversas versões no cinema, a questão inevitável surge: qual é a melhor? Cada interpretação tem suas próprias características e méritos, desde o pioneirismo e a estética arrebatadora do original até as releituras mais modernas, que buscam aprofundar sua mitologia e impacto visual.

Neste artigo irei explorar os filmes em meio a minha opinião sobre cada um dos três.

Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (1922) - F.W. Murnau

Cena de Nosferatu 1922

O personagem do Conde Orlok fez sua estreia em meio ao expressionismo alemão no filme de 1922: Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens. O diretor F.W. Murnau desejava adaptar o romance Drácula, de Bram Stoker, para o cinema.

No entanto, ao ter os direitos autorais negados pelo espólio de Stoker, Murnau prosseguiu sem autorização, alterando nomes e locais na tentativa de evitar questões legais. Assim, o Conde Drácula tornou-se o Conde Orlok, e a ambientação foi transferida da Inglaterra para a fictícia cidade de Wisborg, na Alemanha.

Apesar dessas mudanças, a narrativa manteve-se próxima à obra original, o que levou Florence Stoker, viúva de Bram Stoker, a processar os responsáveis pelo filme por violação de direitos autorais. Em 1925, um tribunal alemão decidiu a favor de Florence, ordenando a destruição de todas as cópias de Nosferatu. Contudo, algumas cópias sobreviveram, permitindo que o filme se tornasse um dos filmes mais celebrados do cinema.

O expressionismo alemão da época era caracterizado pelos visuais distorcidos, surreais, e até mesmo assustadoras. O filme de Murnau consegue levar isso a outro nível, pois não só conseguiu traduzir uma visão muito mais inquietante do livro de Bram Stoker, como trouxe um dos, se não o primeiro personagem icônico do cinema.

A figura de Orlok já é emblemática por si só, no entanto, a maneira que o diretor filma o personagem, a paciência e sensibilidade que ele tem para com o impacto do personagem, é o que fez toda a diferença. Sua sombra, que se projeta pelas paredes e invade os quartos das vítimas, é uma representação visual do mal que se espalha pela cidade, corrompendo tudo o que toca.

Dessa forma, o medo em Nosferatu é construído através de todos os elementos cinematográficos que coexistem para essa entrega opressiva da mise-en-scène. Como exemplo, a clássica e inesquecível cena abaixo:

Sua subtextualidade é algo muito bem discutido, tanto dentro, quanto fora do filme. Muitos estudiosos e críticos argumentam que o filme reflete medos sociopolíticos da época, como o temor ao estrangeiro e à contaminação. O Conde Orlok é  uma figura invasora, trazendo consigo doença e decadência para Wisborg, da mesma forma que as forças europeias da Grande Guerra estavam se impondo em cima da Alemanha.

Assim como uma crítica ao autoritarismo que estava entrando em ascensão na Europa, pois Orlok é uma figura imponente e dominadora, enquanto Ellen, a heroína, representa resistência e sacrifício em nome da liberdade.

O papel de Ellen, no final das contas, é um bastante progressista para aquela época. Ela aparenta ser a donzela em perigo em boa parte do filme, no entanto, a coragem, bravura e sacrifício para acabar com o vampiro parte dela. Diferente de muitas protagonistas femininas do período, que serviam apenas como objeto de desejo ou vítimas indefesas, Ellen desempenha um papel ativo na resolução do conflito.

Nos momentos finais, Nosferatu se torna uma entidade frágil e condenada. O filme não se dá o trabalho de mastigar sua existência, ou seus motivos. Orlok não busca apenas sangue, mas formas de comprimir a vida ao seu redor. Seu toque corrompe, suas sombras sufocam e sua própria existência já culmina em um impacto forte que dura o filme inteiro desde sua primeira aparição.

Dito isso, a fama que precede o filme é completamente justa. Nosferatu não é apenas mais um dos filmes alemães expressionistas, mas também uma obra que redefiniu a linguagem do terror no cinema e inspirou muitos cineastas ao longo dos anos, mesmo após mais de 100 anos de seu lançamento, continua um marco impressionante no cinema.

Cena de Nosferatu 1922

Fato curioso: A atuação de Max Schreck como o vampiro (assim como seu visual) é tão impressionante que gerou rumores de que ele seria um vampiro real. Em 2000, o filme "A Sombra do Vampiro" explorou essa ideia de forma fictícia e em tom de paródia, retratando Schreck como um verdadeiro vampiro contratado pelo diretor F.W. Murnau. Willem Dafoe interpretou Schreck nesse filme, recebendo uma indicação ao Oscar por sua atuação.

Nosferatu: Phantom Der Nacht (1979) - Werner Herzog

Cena de Nosferatu 1979

Werner Herzog, ao assumir a tarefa de reimaginar a história no seu filme Nosferatu: Phantom der Nacht de 1979, não se limitou a um simples remake do clássico de 1922. Seu filme é uma obra profundamente autoral, marcada por seu estilo contemplativo e pela maneira como insere o horror dentro de um contexto mais existencial e naturalista.

Diferente de Murnau, que tratava o vampiro como uma força de destruição iminente, Herzog o apresenta como uma figura frágil, um ser consumido por seus próprios desejos reprimidos. 

A primeira aparição do conde não é cercada de mistério ou suspense, mas sim de uma crueza que o torna mais humano e trágico. Ele não é um monstro imponente e dominador, mas um ser medroso, com desejos de paixão e afeto.

Mais um ponto, diferente da versão de Murnau, que alterou nomes e locais para evitar problemas de direitos autorais, Herzog resgata os personagens do romance Drácula, de Bram Stoker, substituindo Orlok e Hutter pelos nomes originais: Conde Drácula e Harker.

Indo em uma direção diferente de F.W. Murnau, mas sem desrespeitar sua visão, Werner Herzog opta por humanizar seu monstro em vez de apenas enfatizar o horror visual e a estranheza de sua figura. Klaus Kinski, no papel do Conde Drácula, entrega uma interpretação que equilibra terror e tragédia, transformando o vampiro em um ser que vai além da ameaça física.

Seu Drácula não é apenas um predador, mas um prisioneiro de sua própria imortalidade, condenado à solidão e ao desejo incessante por companhia. Ele não busca apenas sangue—busca um escape de sua existência amaldiçoada. Uma natureza muito mais existencialista e intimista, que difere da abordagem crua e pontual de Murnau.

Visualmente, Herzog mantém a influência do expressionismo alemão, mas a transfere para um realismo sombrio e gótico. Filmado em locações na Alemanha e na Holanda, o filme se aproveita de paisagens desoladas, cenários decadentes e iluminação natural para criar uma sensação de desconforto constante em um ritmo contemplativo para dar um tom mais operático à história.

O uso de sombras e composições cuidadosamente enquadradas de Herzog vão além, inserindo uma sensação de realismo e uma atmosfera carregada de melancolia. A trilha sonora, assinada pelo grupo Popol Vuh, contribui para esse tom, com músicas que evocam uma sensação de morte iminente e inevitável.

Nosferatu (1979)

A cidade infectada pela peste parece um mundo à beira do colapso, mas a tragédia maior não está na destruição, e sim na solidão de Drácula, um ser imortal fadado a nunca ser amado.

Nosferatu (2024) - Robert Eggers

Filme Nosferatu (2024)

Em 2024, no mundo do polêmico e questionável "Pós-Horror", Robert Eggers fica encarregado de trazer uma nova versão do clássico do cinema, dessa vez, com o nome oficial de apenas Nosferatu. O diretor conhecido por suas ambientações excelentes em filmes como A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022) definitivamente não decepciona nesse quesito.

A ambientação do filme é, sem dúvida, um de seus maiores triunfos.  A direção de arte e a fotografia trabalham em perfeita harmonia para criar um universo onde luz e sombra não apenas coexistem, mas travam um embate constante e transformam aquele mundo em algo que parece respirar por si próprio.

Jarin Blaschke mistura texturas visuais com precisão, brincando com dessaturação, tons fúnebres e iluminando os personagens de forma fantasmagórica. O resultado é um requinte estético que, ironicamente, contrasta negativamente com a fragilidade da narrativa.

Filme Nosferatu (2024)

E essa fragilidade se evidencia principalmente no uso de sua estética lasciva, que busca explorar desejo, repressão e opressão feminina, mas o faz de forma tão excessiva e descontrolada que perde impacto.

Ele é essencialmente lascivo, remetendo a Possessão (1981) em certos momentos, mas a caracterização chega a ser um caricato inconsciente, dando a sensação de que algumas sequências tentam reproduzir o histerismo de Possessão, mas sem a execução necessário para torná-lo eficaz.

O filme verbaliza esses temas relevantes mas falha em torná-los concretos. O romance entre Nosferatu e Ellen transita entre uma leitura de desejo proibido e um subtexto de abuso, mas sem se aprofundar em nenhuma dessas abordagens.

É quase como um passeio de carro onde você vê de tudo, mas não se prende a nada. Ainda mais que, em minha opinião, Eggers não soube dirigir Lily-Rose Depp, a deixando perdida em momentos tão desnecessariamente intensos que chega a ter um tom de risível.

Nosferatu, no filme de Eggers, é um reflexo pálido de sua própria lenda. Bill Skarsgård entrega uma performance excelente, mas sua caracterização se perde em um realismo seco, que esvazia a criatura de impacto visual e simbólico. Sua presença se dilui na estética carregada do filme, onde o erotismo e a opressão se sobrepõem ao horror de sua existência, resultando em um conflito de temas que nunca se entrelaçam bem.

A mise-en-scène, que poderia amplificar sua ameaça, acaba por enquadrá-lo de forma excessivamente teatral de um jeito que não se encaixa dentro da estrutura do longa, tornando-o previsível e sem mistério. Em vez de ser uma força que corrói o mundo ao seu redor, Nosferatu se torna apenas um corpo estranho dentro de um filme que está mais interessado em seus temas do que na criatura que os conecta.

Filme Nosferatu (2024)

Conclusão

Dado o meu texto, deu para perceber que tenho uma certa preferência aos dois primeiros em cima do de 2024. No entanto, isso não significa que a nova versão de Nosferatu seja desprovida de mérito. O impacto duradouro do filme de Murnau e a releitura trágica de Herzog criaram dois arquétipos distintos do vampiro no cinema: um como força inexorável da peste e do medo, o outro como uma entidade afetuosa, sedenta não apenas por sangue, mas por conexão.

O remake de 2024, ainda que cercado de expectativas, carrega o peso de suceder dois gigantes do gênero. A grande questão não é apenas se ele consegue atualizar Nosferatu para os dias atuais, mas se ele entende o que tornou os originais tão impactantes.

Se for apenas uma reinterpretação estilística, sem essa profundidade que fez do personagem um ícone do cinema, ele corre o risco de ser apenas mais um entre tantas refilmagens esquecíveis, mas Eggers consegue por muito bem sua visão autoral, logo, o filme se tornará uma parte muito forte da mitologia do personagem, se tornando uma obra singular e lembrada por muito tempo.

Então, assim como tudo no cinema, não existe uma resposta certa para "o que é melhor? Isso ou aquilo?", pois tudo deriva da experiência e do engajamento de quem está assistindo. No entanto, é fato que as três obras implementaram visões únicas e significativas para a mitologia de Nosferatu, cada uma refletindo as visões, referências e inspirações de cada idealizador.

Nosferatu é um dos raros exemplos de cinema que sobrevive ao tempo. A sombra do vampiro continua a se projetar, seja nas paredes da Wisborg expressionista, nos campos devastados de Herzog ou nas telas modernas. Afinal, o verdadeiro horror de Nosferatu não está apenas na criatura, mas naquilo que ele representa — e esse medo, seja qual for sua forma, nunca morre.

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2 comentários em “Nosferatu: Qual versão é a melhor?”

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