Um grande tropeço

Se a primeira temporada era um soco no escuro , firme, preciso, com propósito , a segunda parece um vendaval confuso. Ainda tem força, ainda tem impacto, mas não sabe direito de onde vem nem para onde vai. É barulho demais, caminhos demais, personagens demais — e foco de menos.
A trama inicial da temporada nos mostra como o Justiceiro invade o mundo de Matt como um espírito de vingança e de dilemas morais. Matar ou não matar? Justiça ou punição? Culpado ou perdido?
A presença de Jon Bernthal é um acerto absoluto. Ele caiu como uma luva no personagem, sua atuação reflete muito bem alguém pertubado. Não é um vilão. Não é um anti-herói. É uma consequência ambulante. E sua química com Matt é talvez o que a temporada tem de mais instigante. Dois homens quebrados tentando salvar o mundo à sua maneira, uma com a lei, outro com a bala.
A trama do Justiceiro é absolutamente a melhor coisa que essa temporada oferece. É uma história bem desenvolvida, coesa, instigante e eleva a mais um patamar.
A dispersão começa
Quando Elektra aparece, algo se descola. A série parece querer trocar de assunto. Sai dessa discussão entre justiça e violência, entra uma trama mística mal explicada, com ninjas infinitos, seitas ancestrais e armas mágicas. A mudança de tom é tão brusca que parece outra série. E não necessariamente uma melhor.
Elektra, vivida por Elodie Yung, sofre com uma escrita que não sabe o que fazer com ela. Ela é sedutora, perigosa, imprevisível, mas também superficial, apressada, pouco desenvolvida. Seu relacionamento com Matt é tão central quanto confuso. Paixão? Obsessão? Nostalgia? Não existe química pra comprar essa história.
Enquanto isso, o núcleo do Justiceiro segue firme por um tempo. O julgamento de Frank, sua ligação com Karen, as investigações sobre o massacre de sua família, tudo isso ainda carrega o peso da primeira metade da temporada. Mas logo essa trama também é dissolvida, estendida além do necessário, arrastada por reviravoltas e vilões genéricos.
O problema central da temporada é esse: ela quer contar três ou quatro histórias diferentes, mas não consegue amarrá-las. E ao tentar fazer tudo ao mesmo tempo, compromete o que tinha de mais forte. O dilema ético que vinha se desenhando na primeira metade se dilui em cenas de luta longas demais e motivações rasas.
Hells Kitchen era um mundo mais crível e palpável, e de repentese torna palco para o absurdo. Os becos antes realistas agora abrigam hordas de ninjas que parecem brotar do chão. O misticismo da organização “Tentáculo” até poderia funcionar, mas aqui é jogado de forma tão fragmentada, tão expositiva e desorganizada, que soa como distração. A troca de Showrunners pode ser um dos principais responsáveis pela bagunça.
Ainda há luzes
Apesar da bagunça narrativa, Demolidor segue sendo tecnicamente sólida. As coreografias continuam brutais e estilizadas. A direção ainda sabe encontrar beleza na dor. A trilha sonora mantém a atmosfera sufocada e carregada. E, acima de tudo, o elenco permanece como o principal pilar.
Charlie Cox segura Matt com a mesma firmeza emocional de antes. Só que agora seu personagem parece menos conduzido por conflitos internos e mais arrastado pelos eventos externos. Ele reage mais do que age. E isso esvazia um pouco sua presença.
Karen Page ganha mais destaque e é uma grata surpresa. Sua busca por justiça, sua teimosia jornalística, sua aproximação com Frank... tudo isso oferece camadas. É como se ela estivesse herdando a coragem que Matt está perdendo. Enquanto isso, Foggy cresce como figura independente, se afastando do manto do parceiro cego e buscando sua própria linha moral.
Mas mesmo esses acertos parecem existir em episódios diferentes. Não há coesão. Não há unidade. Cada personagem vive sua própria série, e o elo entre eles vai se afrouxando episódio após episódio. A tensão emocional dá lugar ao excesso.
Estilo, som e ruído
Há ainda ecos da poesia visual que consagrou a primeira leva de episódios, mas chegando no final, estão sobrecarregados por um roteiro que não confia no próprio silêncio. Fala demais. Explica demais. Mostra de menos. E, no fim, deixa a sensação de que tudo poderia ser mais simples. Mas é tudo culpa dessa vontade de querer deixar todas as séries interligadas pra culminar em Os Defensores.
A temporada termina com promessas. De que o universo se expandirá, de que novos conflitos surgirão, de que o mundo de Matt Murdock está só começando a se abrir. Mas para quem assistiu à primeira temporada com o coração na garganta, é difícil não sentir um certo vazio ao final dessa segunda. Um vazio que não vem da tragédia, mas da bagunça.
Demolidor ainda é uma série acima da média. Ainda tem personagens cativantes, direção competente e momentos de brilho. Mas essa segunda temporada tropeça na própria ambição. Ao tentar fazer demais, esquece o que fazia tão bem: ser íntima, focada, e verdadeira.

Demolidor - 2° Temporada (2015)
Título original: Daredevil
Showrunner: Doug Petrie e Marco Ramirez
ABC Studios, Netflix
Sinopse: Após derrotar Fisk e seu império, Matt Murdock se depara com um novo inimigo: impulsionado por justiça e pelo desejo de vingança, Frank Castle chega à Hell's Kitchen. Mas a volta de um antigo rosto conhecido de Matt também se transforma em uma ameaça ainda mais sombria e pronta para reivindicar a cidade.

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