Shin Godzilla (2016): Uma Tragédia Política – Review

Uma análise sobre tragédia, política e existencialismo em Shin Godzilla

Shin Godzilla

Desde sua primeira aparição, Godzilla sempre foi mais do que um monstro; ele é um espelho dos medos da sociedade em seu tempo. Em 2016, mais de sessenta anos após o lançamento do primeiro Godzilla, Hideaki Anno, criador de Neon Genesis Evangelion, reimaginou o monstro para um novo contexto histórico em Shin Godzilla. Dessa vez, a tragédia não vem da guerra, mas de um desastre natural: o terremoto e tsunami de 2011, que culminaram no acidente nuclear de Fukushima.

Shin Godzilla e a Tragédia de Fukushima

Anno, com sua sensibilidade para a tragédia humana e sua capacidade de explorar a angústia e a impotência diante do caos desde seus trabalhos em Evangelion, cria um Godzilla que não é apenas uma força destrutiva, mas também um remendo de incompetência governamental e da fragilidade da estrutura política japonesa frente a crises reais.

O filme abre com um acidente desconhecido na Aqua-Line da Baía de Tóquio, forçando a criação de um gabinete de emergência. No entanto, ao invés de ação imediata, a resposta do governo é travada por discussões intermináveis e uma cadeia hierárquica que impede qualquer tomada de decisão eficaz. Enquanto isso, uma criatura gigante surge do mar e avança em direção à capital, deixando um rastro de destruição.

Crítica à Burocracia e à Ineficiência Governamental

Dessa forma, mostra não só uma ação política falha, como a forma que essa inércia impacta diretamente a vida das pessoas. As reuniões governamentais são retratadas de forma quase satírica, com ministros e secretários debatendo qual departamento deve lidar com a crise, enquanto a destruição avança.

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O filme expõe a estrutura política do Japão como algo paralisante, onde ninguém quer assumir responsabilidade e cada decisão passa por múltiplas instâncias antes de ser efetivada. Assim como diante ao desastre de Fukushima, onde a demora em agir resultou na intensificação da crise e no agravamento dos danos.

O Papel do Japão na Geopolítica Global

Mas Shin Godzilla não se limita a um comentário sobre a burocracia. O filme também questiona o papel do Japão na ordem geopolítica mundial. Assim como na vida real, a nação ainda vive sob a influência dos Estados Unidos e de organizações internacionais que frequentemente interferem em sua autonomia.

No longa, a presença americana é sentida desde o início, com o governo japonês sendo pressionado por potências estrangeiras para lidar com a ameaça de Godzilla de acordo com seus interesses.

Em determinado momento, os Estados Unidos e a ONU sugerem uma solução extrema: o uso de uma bomba nuclear para eliminar o monstro, um trauma histórico para um país que já sofreu as consequências dessa arma no passado. A escolha colocada diante do Japão no filme espelha um dilema real: até que ponto a nação pode tomar decisões soberanas quando ainda é fortemente influenciada por forças externas?

Godzilla: Um Monstro Trágico e Existencialista

No entanto, se o governo e suas limitações são um foco central, a figura de Godzilla também é retratada de uma forma quase que inédita e profundamente trágica. Esta versão do monstro talvez seja a mais dolorosa já concebida.

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Diferente das iterações anteriores, onde ele parecia uma entidade mais estável e intencional em sua destruição, aqui Godzilla sofre mutações brutais e evolui de maneira descontrolada. Desde sua primeira forma, rastejante e indefesa, até atingir seu estágio final, ele é um ser atormentado pela própria existência.

Sua pele está em constante combustão, seus olhos são vazios e sua respiração é pesada. Ele não é apenas uma ameaça externa; ele é uma vítima, uma entidade que nunca pediu para existir e que não pode escapar de sua própria dor. Essa abordagem humaniza Godzilla de uma forma trágica (e talvez até shakesperiana), tornando-o não apenas um monstro, mas um ser condenado a viver e sofrer pelas ações humanas, algo bem existencialista nessa defesa da condenação do indivíduo à existência.

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O Auge da Tragédia: O Bafo Atômico

O auge dessa tragédia se manifesta na cena em que ele libera seu bafo atômico. Diferente das versões anteriores, aqui ele não faz isso por raiva ou desejo de destruição, mas porque seu próprio corpo está queimando por dentro.

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A cena, acompanhada pela melancólica trilha sonora Who Will Know, transforma o momento em algo quase operático, um lamento desesperado de uma criatura que não tem escolha além de destruir tudo ao seu redor.

O Destino de Godzilla e o Fracasso das Instituições

O destino de Godzilla no filme reforça esse sentimento de inquietação. Diferente de outros filmes da franquia onde ele é destruído ou derrotado, em Shin Godzilla ele é contido, mas não eliminado. Seu corpo permanece congelado no meio da cidade, mas sua evolução ainda é inevitável.

A última imagem do filme é aterradora: sua cauda, esculpida em formas humanas, sugere que sua transformação não está completa, e que seu próximo estágio pode ser algo ainda mais horrível. Podendo descongelar e retornar a qualquer momento, Godzilla não é o verdadeiro problema, mas sim as forças que o criaram.

Ele pode sempre retornar, porque a sociedade continua a cometer os mesmos erros. A tragédia de Shin Godzilla não é apenas sobre destruição física, mas sobre o fracasso das instituições e a incapacidade de aprender com o passado.

Conclusão: Shin Godzilla como Reflexão Profunda

Com isso, Shin Godzilla se estabelece como uma das interpretações mais profundas e sombrias da mitologia do monstro. Não apenas um filme de desastre, ele é um ensaio sobre política, sobre identidade nacional e sobre a natureza trágica da existência.

Como toda grande obra de ficção, ele utiliza um monstro colossal para falar de algo muito mais assustador: a realidade humana e sua incapacidade de mudar antes que seja tarde demais.

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